O MUNDO DE SÉNECA É O NOSSO MUNDO
O MUNDO DE SÉNECA É O NOSSO MUNDO
Ao lermos os textos de Séneca, uma das coisas mais impressionantes de que nos apercebemos é a forma como parece descrever precisamente o nosso mundo atual, embora os tenha escrito há dois mil anos. Os cidadãos ricos de Roma fizeram do consumismo uma bela arte, deleitando-se em luxo físico e hedonismo. Tal como agora, quando podemos ir a um supermercado em pleno inverno e comprar morangos e abacates cultivados noutra parte do mundo, os romanos desenvolveram o comércio internacional a tal ponto que bens raros, alimentos e itens de luxo inundavam Roma, oriundos de terras distantes.
Os romanos da classe alta eram obcecados pela exibição da sua riqueza enquanto sinal de estatuto social. Aquilo que atualmente designamos como «manter as aparências» também existia na antiga Roma. Tal como Séneca o descreve: “São muitas as coisas que adquirimos só porque os outros as compraram e porque existem em muitas casas. Muitos dos nossos problemas são explicados pelo facto de que copiamos o exemplo de outros: em vez de seguirmos a razão, somos desencaminhados pela convenção. Se fossem apenas algumas pessoas a fazerem algo, não as imitaríamos. Porém, quando a maioria começa a agir de certa forma, nós fazemos o mesmo, como se algo fosse mais honroso só por ser mais frequente.”
Abastadas vilas eram construídas à beira-mar com mármore exótico importado, apresentando vistas espetaculares do oceano, piscinas e banheiras elegantes, bem como todos os luxos imagináveis. Durante os meses quentes de verão, alguns arrefeciam as bebidas e piscinas com neve e gelo transportados de grandes distâncias. Outros ofereciam banquetes, jantares e festas extravagantes, que custavam frequentemente quantias astronómicas de dinheiro, com as mais raras iguarias importadas de todo o mundo, que a seguir vomitavam para ter espaço para mais. Embora os romanos tivessem vivido modestamente em épocas anteriores, já não era o caso.
De resto, a cultura romana de grandes gastos característica da época de Séneca apresentava os mesmos tipos de excesso associados às celebridades da atualidade, sobre as quais lemos nos tabloides de Hollywood e em sites de crónica social. Séneca contempla: “Pessoas autoindulgentes desejam ser o centro das atenções ao longo de toda a sua vida. Se a bisbilhotice para, sentem-se mal e farão algo novo que desperte a notoriedade. Muitas delas gastam grandes somas de dinheiro e muitas mantêm amantes. Para se construir um nome nesta multidão, é preciso combinar extravagância com notoriedade. Numa cidade tão agitada, vícios comuns não são comentados.”
A simples razão por que estas coisas parecem ser comuns atualmente é porque a natureza humana não mudou. Embora a nossa cultura, hoje em dia, seja muito mais avançada tecnologicamente, no âmbito psicológico somos exatamente iguais às pessoas da época de Séneca. Somos criaturas complexas que padecem de ganância, ambição, preocupação, medo, tristeza, ira, ansiedade financeira, desejo sexual e vícios — juntamente com o desejo de sermos boas pessoas e de fazermos do mundo um lugar melhor.
Embora o estoicismo defendesse uma vida simples, não proibia a acumulação de riqueza, desde que esta pudesse ser utilizada sabiamente. Porém, enquanto um dos homens mais ricos do Império Romano, cujos colegas profissionais incluíam os principais membros da elite social, Séneca experimentou em primeira mão as consequências da perseguição do luxo excessivo. Provavelmente, foi esta experiência que fez com que Séneca reconhecesse o vazio e a superficialidade de uma vida sumptuosa, o que o levou a escrever contra ela: “Admiramos paredes revestidas com uma fina camada de mármore, embora sabendo quais os defeitos que o mármore esconde. Enganamos os nossos próprios olhos e, quando banhamos os nossos tetos de ouro, com que nos deleitamos, senão com uma mentira? Pois sabemos que sob este dourado esconde-se madeira feia. Tão-pouco tal decoração superficial se espalha apenas por paredes e tetos. Todos aqueles homens famosos que vemos pavonearem-se grandiosamente possuem uma felicidade folheada a ouro. Observa o interior e verás quanta corrupção existe sob o verniz frágil do estatuto.”