A VIDA DE SÉNECA E A TRANSFORMAÇÃO DA ADVERSIDADE

 

Este é um livro sobre as ideias de Séneca e não sobre a sua vida. No entanto, existe naturalmente alguma relação entre ambas, pelo que se impõem alguns detalhes. (Para quem gostaria de saber mais sobre a vida de Séneca, recomendo a excelente biografia de Emily Wilson.)

Séneca nasceu por volta do ano 4 a.C., no seio de uma próspera família equestre ou família de cavaleiros romanos, no local onde hoje existe a cidade de Córdoba, Espanha. O seu pai, Séneca, o Velho (54 a.C.–39 d.C.), era professor de retórica e oratória. Tal como hoje, ser um excelente comunicador era uma competência vital para construir uma carreira bem-sucedida no Império Romano, e a família de Séneca destacava-se nesta área. Sabe-se pouco sobre a vida de Séneca durante a infância, mas o seu pai tê-lo-á levado para Roma quando tinha cerca de 5 anos. Durante a adolescência, e nessa mesma cidade, estudou com vários professores, incluindo alguns filósofos.

Infelizmente, Séneca sofria de um certo tipo de doença pulmonar crónica desde criança, provavelmente uma combinação de asma e tuberculose. Quando tinha à volta de 25 anos, a tia levou-o para Alexandria, no Egito, na tentativa de lhe debelar a doença, que provavelmente teria piorado ao viver em Roma. Surpreendentemente, Séneca acabou por permanecer no Egito durante dez anos e só regressou a Roma quando estava perto dos 35 anos. Felizmente para ele, a sua tia tinha ligações políticas e assim, graças à sua influência, pôde integrar o senado romano quando Roma se encontrava sob a governação de Calígula.

No século anterior, Roma fora uma república; porém, com a dissolução desta, o recém-criado imperador romano detinha, para todos os efeitos, poderes absolutos, o que conduziu naturalmente a abusos terríveis. Os reinados de Calígula (12–41 d.C.), Cláudio (10 a.C.–54 d.C.) e Nero (37–68 d.C.), sob os quais Séneca viveu, eram corruptos além do inimaginável e repletos de exemplos de homicídios, envenenamentos e assassinatos, infidelidades sexuais (incluindo relatos de incesto), exílios de pessoas inocentes, torturas brutais e outros atos terríveis, muitos deles assentes em simples caprichos. Era como uma novela televisiva a descambar da pior forma possível, mas com consequências fatais na vida real.

Enquanto senador de Calígula, Séneca começou a acumular uma vasta riqueza pessoal, o que continuaria a fazer durante toda a sua vida. Porém, essas recompensas financeiras eram de facto bênçãos contraditórias, uma vez que, à medida que Séneca ascendia ao pináculo do estatuto social e poder em Roma, a sua vida tornava-se cada vez mais perigosa. No auge da sua carreira, ao serviço do imperador Nero, Séneca parece ter realmente governado o Império Romano — com o auxílio de Sexto Afrânio Burro, o líder da guarda pretoriana. Nero era um mero adolescente, de apenas 16 anos, quando se tornou imperador e não tinha experiência para governar sozinho o maior império do mundo. Durante os primeiros cinco anos do seu reinado, Séneca orientou-o, e as coisas correram bem para os homens e para o Império Romano. Séneca também foi eleito cônsul, o mais alto cargo político que alguém poderia exercer em Roma; no entanto, após esse período pacífico de cinco anos, Nero assumiu o controlo total e começou a agir de forma homicida.

Infelizmente, quando Séneca, já velho, escreveu as suas Cartas, sabia que a sua vida estava sob a ameaça de Nero, que tinha o mau hábito de matar pessoas de quem deixava de gostar. Sabendo-se em perigo, Séneca tentou distanciar-se de Nero por duas vezes, mas sem êxito. Quando Séneca tinha cerca de 43 anos, os seus problemas começaram com Calígula, que, por inveja, queria condená-lo à morte apenas porque se sentira ofuscado por um discurso brilhante que Séneca fizera no senado. Felizmente, uma das amantes de Calígula dissuadiu-o de matar Séneca — porque este estava doente e ela achava que ele acabaria por morrer em breve.

Mais tarde, quando Séneca tinha 45 anos, o imperador Cláudio exilou-o na ilha da Córsega durante 8 anos e tirou-lhe metade da sua propriedade,

sob acusações forjadas, em alternativa a matá-lo. Este exílio, que implicou a separação da sua mulher, ocorreu apenas algumas semanas depois da morte do único filho de Séneca, que era ainda uma criança. Depois de passar 8 anos na Córsega, onde escreveu bastante (porque não havia mais nada que aí pudesse fazer), Séneca foi finalmente instruído a regressar a Roma, mas apenas sob a condição de se tornar tutor do jovem Nero, que na altura tinha 11 anos.

Apesar dos esforços de Séneca para ajudar Nero a desenvolver um bom caráter, o projeto foi um fracasso total. Nero não tinha interesse em filosofia ou ética. Estava interessado apenas no próprio prazer e no poder às custas de outros, o que viria a transformá-lo num tirano monstruoso. No final, Nero fez com que muitos dos que o rodeavam fossem mortos, incluindo a própria mãe, o irmão e a mulher (que ele achava aborrecida em comparação com a sua amante). Nero acabou por fazer com que Séneca também fosse morto, quando este tinha 69 anos, depois de uma conspiração malsucedida para retirar Nero do poder. Nesta nova matança, muitas pessoas perderam a vida, incluindo os dois irmãos de Séneca e o seu sobrinho.

Porém, apesar destes obstáculos severos, que hoje destruiriam psicologicamente muitas pessoas, a filosofia estoica que Séneca defendia ofereceu-lhe uma forma de enfrentar a adversidade. Através de suas reflexões e ensinamentos, ele conseguiu encontrar um sentido e uma paz interior, mesmo em meio ao caos e à corrupção que o cercavam. A sua vida e obra são um testemunho da resiliência do espírito humano e da capacidade de transformar a dor e a adversidade em sabedoria e crescimento pessoal.

Séneca, portanto, não é apenas uma figura histórica, mas um símbolo da luta contra as circunstâncias adversas e da busca por uma vida virtuosa, mesmo quando tudo parece estar contra nós. A sua filosofia continua a ressoar até hoje, oferecendo lições valiosas sobre como enfrentar os desafios da vida com dignidade e coragem.

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