Nada alguma vez me agradará, independentemente de quão excelente ou benéfico seja, se tiver de manter o conhecimento disso para mim próprio. […] Não há nada que seja agradável ter sem amigos com quem partilhá-lo.
— Séneca, Cartas 6.4
Quando Séneca tinha 60 anos, o seu bom amigo Lucílio debatia-se com um problema sério. Lucílio, um pouco mais jovem do que Séneca, ocupava um cargo na administração de Nero, governando a região da Sicília. Tal como Séneca, Lucílio era ambicioso, talentoso, trabalhador e bem-sucedido. Tendo tido uma grande carreira, alcançara também fama no mundo social da sua época. Porém, em algum ponto desse processo, Lucílio tinha negligenciado o seu bem-estar interior. Em termos modernos, estava a atravessar uma crise.
Em busca do conselho de um amigo de confiança, Lucílio pediu ajuda a Séneca. Lucílio queria reformar-se e ter uma vida mais significativa e gratificante, mas também se tinha habituado ao seu luxuoso estilo de vida e à aclamação pública que recebia amiúde. E, tal como muitas pessoas atualmente, Lucílio questionava-se se teria recursos financeiros suficientes para se reformar e manter o estilo de vida ou se deveria continuar a trabalhar mais alguns anos para aumentar as suas poupanças. Embora desejasse ser livre, também temia as consequências de abandonar a sua posição bem remunerada.
Apesar de os estudiosos de Séneca nunca a mencionarem, esta é a história por trás das cartas de Séneca a Lucílio. As perguntas de Lucílio sobre como ajustar o seu percurso de vida deram a Séneca uma desculpa para criar as suas Cartas maravilhosas, escritas não apenas para Lucílio, mas para um círculo mais amplo de leitores. Ao mesmo tempo, as Cartas constituíram matéria preparatória inteligentemente concebida para um curso de filosofia estoica de Séneca. Contudo, por trás deste projeto, havia uma crença no poder profundo e transformador da amizade. Ao longo das suas Cartas, Séneca discute muitos aspetos da amizade, mas esta passagem destaca o motivo por que a amizade é tão essencial:
A amizade cria entre nós uma parceria em todas as coisas. Nada é bom ou mau só para nós: vivemos em comunidade. Nem pode ser feliz quem apenas se preocupa com o seu próprio benefício. Devemos viver para outro, se quisermos viver para nós próprios. Esta comunhão, mantida com especial cuidado e respeito, une a humanidade como um todo e sustenta a existência de certos direitos que todos temos em comum. Porém, também é benéfica para cultivar o tipo de amizade mais íntima, da qual tenho falado, pois quem tem muito em comum com outro ser humano terá tudo em comum com um amigo.
Enquanto Séneca expressava a sua filosofia de vida a Lucílio através de correspondência, escrevia as suas primeiras obras filosóficas para outros amigos, parentes e pessoas que conhecia pessoalmente. O seu objetivo era ajudá-los a alcançarem tranquilidade mental, a ultrapassarem a dor ou a enfrentarem diferentes desafios. Como podemos perceber, a filosofia de Séneca, enquanto arte de viver, não se baseava na criação de um sistema abstrato para outros intelectuais. Em vez disso, envolvia relacionamentos interpessoais, uma vez que, na perspetiva de Séneca, a filosofia deveria ajudar as pessoas a viverem no mundo real.
Séneca criticou repetidamente os filósofos académicos do seu tempo, que reduziam a filosofia a argumentos lógicos intransigentes. A abordagem destes não parecia convincente e era irrelevante no que tocava a atender às necessidades humanas. Séneca distinguia vincadamente entre a sua alternativa e a «filosofia real», que via como um jogo de palavras, um mero jogo intelectual. Muitos filósofos do seu tempo, dizia ele, concentravam-se em analisar sílabas e esmiuçar detalhes, em vez de explorarem ideias vivas que pudessem melhorar a vida humana. Insistia que a aprendizagem real era para a vida, não para a sala de aulas. As ideias filosóficas de Séneca eram simultaneamente sistemáticas e consistentes, mas, como escritor, compreendia a importância de apresentar essas ideias de uma forma atraente e convincente. Ao combinar filosofia, habilidade literária e impacto dramático, Séneca deu vida à filosofia e tornou-a memorável.
Embora Lucílio considerasse Séneca um amigo próximo, também o via como seu conselheiro e mentor filosófico, um papel que Séneca gostava de desempenhar. Um amigo, por vezes, pode ser um excelente mentor. Frequentemente,